Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...

segunda-feira, 12 de maio de 2014

CAR: Antes tarde do que nunca




André Lima e Raul Valle*

Depois de dois anos de cobrança por parte da sociedade civil, Decreto
Federal e Instrução Normativa do Ministério do Meio Ambiente que
regulamentam o código florestal foram publicados.

Enfim temos regras que permitem à sociedade exigir dos governos
federal e estaduais o início efetivo da implementação do novo Código
Florestal, aprovado há quase dois anos. O Decreto Federal 8.235 de 05
de maio de 2014 estabelece normas gerais para a implementação dos
Programas de Regularização Ambiental pelos estados e pelo DF e recria
o Programa Mais Ambiente como ação do governo federal para apoia-los
na implementação da lei. Esses programas devem ser implementados via
Cadastro Ambiental Rural (CAR), que foi regulamentado pela IN 2/2014
do MMA.

Sem prejuízo de uma análise mais detalhada que deve ser feita em
seguida, a título preliminar, podemos afirmar que:

1 – CAR por matricula X CAR por imóvel rural - Vencemos a queda de
braço com o MAPA e  CNA no que se refere à demanda ruralista para
implementação do CAR por matricula do imóvel e não por imóvel rural.
Tanto o Decreto, quanto a IN definem o CAR por propriedade ou posse
rural. Esse aspecto é importante, pois o atendimento da demanda do
MAPA significaria a anistia de mais centenas de milhares de hectares
de passivos florestais. Portanto, esse é um ponto importante a se
comemorar. No entanto, a regulamentação, além de flexibilizar em
outros aspectos importantes o passivo ambiental, também deixa a
desejar em relação à transparência.

2 – Ampliou o conceito de área consolidada, o que permitirá novos
desmatamentos legais em áreas protegidas (Áreas de Proteção Permanente
e Reserva Legal). Ao juntar, indevidamente, os conceitos de área
degradada (área de vegetação nativa severamente alterada, que para
recuperação precisa de intervenção humana) e área alterada (área de
vegetação nativa com alguma interferência, mas que pode se regenerar
sozinha), que pelo Decreto 7830/12 são coisas distintas, o decreto
igualou todas as florestas com algum tipo de perturbação e pastagens
ou plantações. Na prática, se essa regra não for revista, um
proprietário poderá desmatar uma floresta que tenha sofrido fogo em
algum momento de sua vida (floresta alterada) e que esteja a menos de
30 metros da beira de um rio, alegando que trata-se de “área rural
consolidada”, supostamente em produção, e que ele, portanto, tem
direito a manter apenas 20 metros de APP (art.61-A da Lei Federal
12651/12). O mesmo pode ocorrer com florestas situadas em imóveis de
até quatro módulos fiscais, que estão desobrigados de recuperar a
reserva legal desmatada antes de 2008. Se o produtor tiver uma área de
floresta alterada anteriormente a 2008, ele não precisará conta-la
como sua reserva legal e, portanto, não precisará mante-la, pois para
efeitos do decreto essa floresta e um pasto são a mesma coisa. É um
erro grave que tem que ser alterado.

3 – Revisão de Compromissos de recuperação em curso contraria STJ – O
art.12 diz que os termos de compromisso para recuperação de APPs e RL
deverão ser revistos para incorporar as anistias trazidas pela nova
lei. Esse dispositivo do decreto contraria decisão do STJ que já
firmou entendimento de que esses acordos são atos jurídicos perfeitos
e que a lei nova não pode retroagir para modificar seus termos. (AgRg
no AREsp 327687)

4 – Transparência relativa enfraquece potencial do CAR– Os dados sobre
a titularidade ou posse dos imóveis cadastrados no SICAR não são
informações consideradas de natureza pública (art. 12 da IN) o que
limita significativamente o alcance do CAR como ferramenta de gestão e
responsabilização efetiva dos detentores de terra pela regularidade e
uso sustentável dos imóveis rurais.

O CAR é uma ferramenta que faz com que o tema da gestão e
regularização ambiental rural e do controle dos desmatamentos saia da
generalidade e da virtualidade (desmatamentos na Amazônia, no Pará, ou
no município A ou B) e avance para a responsabilização efetiva dos
titulares e detentores de terra no Brasil. Além disso, a transparência
total é condição de efetividade para que a sociedade possa exercer o
controle permanente sobre a implementação efetiva dos programas de
regularização ambiental. Esse é o grande passo que o CAR tem que dar
no sentido da efetiva responsabilização pelos usos indevidos da terra.

Além disso, o CAR também é um instrumento fundamental para a
implementação de ações públicas e privadas de incentivos econômicos
para o bom uso do solo rural. Para tanto, a informação sobre a
titularidade das áreas é crucial. O tratamento como informação
sigilosa a respeito da titularidade dos imóveis assim como a
inviabilização de acesso on line pela sociedade aos dados a respeito
dos responsáveis pelo uso, conservação e/ou recuperação das Áreas de
Preservação Permanente e Reservas Legais ou áreas de uso restrito é um
bloqueio à transparência, que limita significativamente o alcance e o
potencial do CAR como ferramenta de gestão efetiva de governo e da
sociedade.

A apropriação dessa ferramenta (CAR) pela sociedade é um desafio a ser
conquistado para que o controle social seja efetivo e tenha resultado.
Qual a razão para omitir o dado sobre titularidade da terra e sua
relação com o cumprimento da função socioambiental? Não há fundamento
jurídico que justifique a não disponibilização dessa informação, sendo
ela importante para a efetiva responsabilização e mobilização da
sociedade para o controle social sobre o bom uso do solo e a proteção
de nossas florestas. Infelizmente, a IN é muito limitada neste aspecto
da transparência e do controle social. Por exemplo, a sociedade (por
intermédio dos consumidores e das cadeias produtivas) poderá promover
campanhas e ações que visem compensar e premiar os bons produtores.
Entretanto, se essas informações não estão disponíveis no SICAR como
faze-lo? Esses dados devem estar acessíveis a toda sociedade uma vez
que não há justificativa jurídica para sua omissão no Sistema.

5 – Ausência de mecanismo de governança e monitoramento sobre a
implementação dos Programas de Regularização Ambiental (PRAs) nos
estados. O artigo 75 do Código Florestal determina que os PRAs
(inclusive o instituído pela União) deverão incluir mecanismos que
permitam o acompanhamento de sua implementação considerando objetivos
e metas nacionais para florestas, instrumentos econômicos, adesão
cadastral dos proprietários e possuidores, a evolução da regularização
ambiental, o grau de regularidade do uso de matéria prima florestal e
o controle e prevenção de incêndios florestais.  Com a revogação do
decreto 7029 que criou em 2009 o Programa Federal de Apoio à
Regularização Ambiental de imóveis rurais (Programa Mais Ambiente)
ficou também revogada a figura do Comitê Gestor do Programa, que era
formado além dos ministérios por organizações representativas dos
setores interessados. É fundamental que o que já chegou a ser batizado
como maior programa de recuperação ambiental do planeta tenha uma
instância de gestão, monitoramento e participação da sociedade.

6 – Falta uma estratégia nacional para implementação da Lei – Um
programa com a envergadura da implementação do Código Florestal
brasileiro, que chegou a ser anunciado pelo governo federal como o
maior programa regularização ambiental do mundo, precisa ter uma
estratégia clara e robusta que envolva não somente o Cadastramento
Ambiental Rural e um sistema de integração de cadastros estaduais
(SICAR), mas tenha um conjunto de ações articuladas pelo governo
federal em uma estratégia que preveja:

a)      Metas nacionais para:

i) CAR (ex.: 2015, 2017 e 2020), ii) recomposição de APP e iii)
proteção, compensação e recomposição de RL;

b)      Infraestrutura necessária com base nas metas:

i) humana, ii) física e material, e iii) tecnológica;

c)      Arranjo de Coordenação:

i) Interna MMA, ii) Interministerial, iii) com estados, iv) com
sociedade civil e v) setor privado;

d)      Mecanismos oficiais de transparência:

i) relatórios periódicos (semestrais?), ii) seminários periódicos
(anuais?), iii) auditorias independentes (por estado?), iv) módulo
aberto com informações georreferenciadas no SICAR, com publicidade
sobre os dados sobre titularidade dos imóveis;

e)      Previsão de suporte financeiro necessário e disponível:

i) Orçamento da União, ii) dos estados, iii) parceiros, iv) Fundo
Amazônia, v) Fundo Clima, vi) compensações de grandes obras de
infraestrutura (Belo Monte, BR 163), vii) outros;

f)       Incentivos econômicos (art. 41):

i) crédito público e privado, ii) política de incentivos tributários,
iii) mecanismos de incentivo à certificação, iv) compras públicas, v)
PSA, vi) CRA, vii) Redd;

g)      Estratégia para PRA (e CAR) Federal em: i) assentamentos, ii)
quilombos, iii) áreas de influência de grandes obras federais de
infraestrutura (UHE Belo Monte, BR 163), iv) áreas prioritárias para o
governo federal

Considerando que o código florestal fará dois anos antes do final de
maio, entendemos ser importante um debate público no âmbito do GT de
Monitoramento da implementação do Código Florestal criado pela
Ministra de Meio Ambiente, para debater e esclarecer os aspectos acima
apresentados e avançar na solução dos gargalos apontados.

*André Lima, advogado, IPAM e Raul do Valle, advogado, ISA

CONDIÇÕES CLIMÁTICAS DO MUNICÍPIO EM TEMPO REAL

CONDIÇÕES CLIMÁTICAS DO MUNICÍPIO EM TEMPO REAL
SISTEMA INTEGRADO DE DADOS AMBIENTAIS